Sem dúvida a literatura é o meu amor eterno, não a segui como profissão, mas foi só por acaso. Comecei a ler com três anos e descobri que meu universo ia muito além do mundo real , eu simplesmente deixava o mundo para viver na fantasia. Sempre fui a musa dos versos de amor que li, a heroína das histórias de aventura, a guerreira do planeta distante, tantas personagens.... Por vezes fui um menino, uma menina, um cachorro, uma flor, experimentei de tudo porque tudo nos é permitido nessa grande viagem.

Tenho paixão por livros, coleciono como se fossem troféus, minhas jóias, fazem parte de mim, gosto de admirá-los, vê-los, cheirá-los, tocá-los e lê-los sempre. Tenho o sonho de um dia possuir uma biblioteca tão grande que poderei me perder no meio dela, como em um delicioso labirinto. Sinto muito que talvez a vida seja curta para ler todos os livros que quero. Sigo tentando.

Os autores são inúmeros, destaco apenas alguns. Devo confessar, contudo, que, tal como uma miss, o livro que mais me impressionou e o que mais li nesta vida foi "O Pequeno Príncipe" de Antoine de Saint-Exupéry. Gostaria de ter escrito algo parecido: simples, profundo e atemporal.
 

 

Trecho de: “O pequeno príncipe” - Antoine de Saint-Exupéry

- As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu, porém, terás estrelas como ninguém...

- Que queres dizer?

- Quando olhares o céu de noite, porque habitarei uma delas, porque numa delas estarei rindo, então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem rir!

E ele riu mais uma vez.

- E quando te houveres consolado (a gente sempre se consola), tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo. Terás vontade de rir comigo. E abrirás às vezes a janela à toa, por gosto... E teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. Tu explicarás então: “Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!” E eles te julgarão maluco. Será uma peça que te prego...

E riu de novo.

- Será como se eu te houvesse dado, em vez de estrelas, montões de guizos que riem...

 
Pablo Neruda

Hoje quantas horas

Hoje quantas horas vão caindo
no poço, na rede, no tempo,
são lentas mas não tiveram descanso,
seguem caindo, unindo-se
primeiro como peixes,
depois como pedradas ou garrafas.
Lá embaixo entendem-se
as horas com os dias,
com os meses,
com lembranças confusas,
noites desabitadas,
roupas, mulheres, trens e províncias,.
o tempo se acumula
e cada hora
se dissolve em silêncio,
se esfarela e cai
ao ácido de todos os vestígios,
à água negra
do avesso da noite

 

Soneto de Véspera - Vinícius de Moraes

Quando chegares e eu te vir chorando
De tanto te esperar, que te direi?
E da angústia de amar-te, te esperando
Reencontrada, como te amarei?

Que beijo teu de lágrimas terei
Para esquecer o que vivi lembrando
E que farei da antiga mágoa quando
Não puder te dizer por que chorei?

Como ocultar a sombra de mim suspensa
Pelo martírio da memória imensa
Que a distância criou – fria de vida

Imagem tua que eu compus serena
Atenta ao meu apelo e à minha pena
E que quisera nunca mais perdida...

 

Fernando Pessoa
 
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não Ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

                    

 

 

Lua Adversa - Cecilia Meireles
 
 
Tenho fases como a Lua
Fases de andar escondida,
Fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
Tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e vem,
No secreto calendário
Que um astrólogo arbitrário
Inventou para meu uso.
E roda a melancolia
Seu inteminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguem ser meu
Não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
O outro desapareceu

 

 

O homem; as viagens - Carlos Drummond de Andrade

O homem, bicho da Terra tão pequeno
chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bananeira na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua

Lua humanizada tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.

Vamos para Marte – ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.

Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro – diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto – é isto?
idem
idem
idem.

O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.

Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?

Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.

Restam outros sistemas fora
do solar a col-
Onizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.

 

Copyright © Andréa Bianchi