Noite de sábado. Acompanhado de 
                      dois colegas, vou à casa onde trabalha minha principal 
                      informante, Marcinha, que é uma das duas garotas 
                      que tem conhecimento do meu trabalho. Sentamo-nos à 
                      mesa próxima ao balcão, peço uma cerveja, 
                      em seguida pergunto pela “minha” garota. A gerente, 
                      que está nos servindo a bebida, diz não saber, 
                      mas entre palavras não muito claras, diz que pode 
                      arrumar o que quero. Sei que fala de cocaína. Dou 
                      um sorriso, digo que hoje estamos a fim apenas de cerveja. 
                      Uma jovem negra e bonita se aproxima, puxa uma cadeira e 
                      senta-se à nossa mesa. Cobre o corpo apenas com uma 
                      toalha e a todo momento faz questão de mostrar suas 
                      partes íntimas. Seu nariz está escorrendo. 
                      Faz a oferta de um programa com nós três. “Você 
                      não vai nos agüentar”, brinco com ela, 
                      alisando seus cabelos molhados. Meus colegas ainda estão 
                      tímidos, era a primeira vez que visitavam a Vila 
                      Mimosa. O nome da garota é Valéria e não 
                      parece ter mais que vinte anos. No instante em que peço 
                      mais uma cerveja, dois homens aparecem à porta e 
                      chamam Valéria. A gerente e mais outras três 
                      garotas fingem olhar um caderno atrás do balcão, 
                      estão curiosas. Procuro não aparentar interesse 
                      na conversa que se desenrola próxima a nós, 
                      mas ouço um dos homens falando de Marcinha. Alguns 
                      minutos de conversa e Valéria retorna à nossa 
                      mesa, bebe um copo de cerveja e depois conta para as garotas: 
                      aqueles caras, policiais, procuravam por Marcinha devido 
                      à uma denúncia de que ela estaria vendendo 
                      drogas naquela casa. Era claro que o desejo deles não 
                      era prender minha informante, mas provavelmente extorquí-la, 
                      arrancar-lhe dinheiro através de ameaças. 
                      Na Vila existem pessoas certas que vendem cocaína 
                      e maconha, todos que ali freqüentam as conhecem. A 
                      cocaína é vendida rapidamente, a todo momento 
                      é necessário recarregar o estoque, que vem 
                      do Morro da Mangueira na sua grande maioria. Maconha é 
                      uma droga rara na Vila e a explicação é 
                      muito fácil: o cheiro que emana da fumaça 
                      é logo detectado, os seguranças reprimem, 
                      além dos policiais que circulam sempre pela área. 
                      A cocaína já é facilmente consumida 
                      nos banheiros e quartos, em questão de segundos, 
                      dificilmente levantando suspeitas. 
                      
                       Por todas as noites em que permaneci na Vila Mimosa, 
                        tudo que presenciei fica como um grande aprendizado. Não 
                        tenho dúvidas em afirmar que os trabalhos antropológicos 
                        com “desviantes” que apresentam riqueza de 
                        detalhes de toda a estrutura e funcionamento do grupo 
                        e local estudados são o resultado de muito esforço 
                        e dedicação por parte do pesquisador. E 
                        também de uma constante “luta” em saber 
                        onde deixar sua subjetividade influir no trabalho. Como 
                        reagir diante de uma prostituta de quinze anos de idade, 
                        que diz detestar o que faz, mas que está ali para 
                        sustentar a mãe doente, ou o filho pequeno? Ou 
                        quando durante uma conversa a garota apanha um papelote 
                        de cocaína e cheira ali mesmo, diante de seus olhos? 
                        A interpretação destes atos e discursos 
                        vai requerer muito mais de uma experiência de vida 
                        por parte do antropólogo, do que seus anos de estudo 
                        acadêmico. Aquela “fisgada” inevitável 
                        da emoção, aquilo que a Dra. Jean Carter 
                        denominou de anthropological blues deve ser reconhecido 
                        como tal e expresso no trabalho, de forma a “humanizar” 
                        os resultados. Uma ruptura na frigidez científica.
                      
                      2 - As escalas da prostituição: a difícil 
                        vida da “mulher da vida”
                      
                       No livro Garotas de Programa, Maria Dulce Gaspar trabalha 
                        com a média prostituição, e enfatiza 
                        na introdução do texto a existência 
                        de diferenças entre as escalas desta atividade. 
                        Em nota de pé de página diz: “Enquanto 
                        em relação à baixa prostituição 
                        existem no Brasil vários trabalhos em sociologia 
                        e antropologia (...) e muitos artigos de cunho religioso 
                        e autobiográfico, sobre a alta prostituição 
                        há poucas referências e desconheço 
                        trabalhos sociológicos.” A “alta prostituição” 
                        seria a tendência para o futuro desta forma de ganhar 
                        a vida nos grandes centros urbanos. As garotas agiriam 
                        sob seu próprio controle, publicando anúncios 
                        em jornais com número de telefone para contato. 
                        Muitas vezes no próprio anúncio fazem questão 
                        de deixar claro o seu cliente “alvo”: executivos 
                        de bom gosto. O valor estabelecido por elas geralmente 
                        só é acessível a pessoas de alto 
                        poder aquisitivo. A ida da prostituta ao local indicado 
                        pelo cliente é característica deste tipo 
                        de prostituição. Os gastos com o táxi 
                        ou com o combustível do carro da garota também 
                        é, na maioria das vezes, de responsabilidade do 
                        cliente. Um anúncio de jornal serve bem para ilustrar: 
                        “Letícia Swiultz, Coelhinha Playboy 97. Neta 
                        de alemães. Loura sensual, 22 anos, olhos verdes, 
                        1,70 alt., fina e discreta. Sem decepções! 
                        Atendimento classe A. Somente a executivos e casais de 
                        extremo gosto. Faço acompanhamento à viagens 
                        ao exterior. Cachê: R$ 300,00. Tel.: 9971-**30.”
                      A média prostituição (estudada por 
                        Gaspar) seria aquela praticada em boates e casas de massagens 
                        espalhadas por toda a cidade. Suas praticantes, como regra 
                        geral, possuem aparência produzida e não 
                        estão “expostas” nas ruas, portanto, 
                        segundo a concepção delas, correm riscos 
                        menores que as praticantes da baixa prostituição. 
                        Porém, risco menor não quer dizer que não 
                        estão correndo algum perigo, pois isto é 
                        um fato real de todas as escalas da prostituição. 
                        Seria o tal “perigo latente” enfatizado por 
                        Gaspar: “Um dos aspectos mais proeminentes no meu 
                        trabalho de campo foram os relatos das mulheres sobre 
                        violência. Durante esse período era sempre 
                        lembrado o caso ocorrido com uma das prostitutas que, 
                        no curso de um programa, fôra jogada por um cliente 
                        pela janela de um apartamento da rua Prado Júnior”. 
                        Um ponto considerado importante para a opção 
                        destas mulheres pelo trabalho em boates e casas de massagens 
                        seria justamente por buscarem uma maior segurança, 
                        ainda que relativa, afinal, entre quatro paredes, tudo 
                        pode acontecer. O preço do programa nestes lugares 
                        costuma variar de acordo com o bairro. Nas casas de massagens 
                        o valor é único para todas as garotas e 
                        costuma ser cobrado de acordo com o tempo que o cliente 
                        pretende ficar com a garota. Por exemplo, R$ 50,00 por 
                        trinta minutos, R$ 80,00 por uma hora, e assim por diante. 
                        Existe uma tabela e a mulher deve sempre assinar nas páginas 
                        de um livro controlado por um gerente a cada vez que levar 
                        um cliente para o seu quarto, ou “cabine”, 
                        como costumam chamar (estes livros para assinatura também 
                        existem nas casas da Vila Mimosa). Já as prostitutas 
                        que freqüentam as boates estabelecem seu próprio 
                        preço, e não costumam ter um vínculo 
                        muito grande com os donos ou gerentes destes estabelecimentos. 
                        Em geral fazem um acordo verbal, comprometendo-se a fazer 
                        com que os clientes consumam o máximo possível 
                        em bebidas e aperitivos.
                       Ainda contextualizando-nos ao quadro do meio urbano 
                        do Rio de Janeiro, procuro identificar como praticantes 
                        da baixa prostituição mulheres de diversas 
                        idades que negociam o corpo nas ruas, em áreas 
                        como a Quinta da Boa Vista e Central do Brasil, e na Vila 
                        Mimosa, o local escolhido para o meu estudo. Geralmente 
                        são mulheres que não fazem muitas exigências 
                        ao cliente e com um grau de promiscuidade maior que as 
                        das outras escalas. Estão freqüentemente dispostas 
                        a praticar o ato sexual não apenas em lugares exclusivos 
                        como os hotéis, sendo mais comum o interior dos 
                        carros e as áreas mal iluminadas (no caso específico 
                        da Quinta da Boa Vista). É dentro desta escala 
                        da prostituição que se encontra o maior 
                        número de mães e viciadas em drogas. A violência 
                        quase explícita nestas áreas é um 
                        ingrediente que completa o quadro, sendo característica 
                        de todos os personagens, sejam as mulheres, clientes ou 
                        freqüentadores. Fenômeno não exclusivo 
                        dos grandes centros urbanos, a baixa prostituição 
                        tem sido uma saída encontrada por milhares de mulheres 
                        para resolverem questões financeiras. Um exemplo 
                        que pode ser citado seria o das jovens que fazem programas 
                        em praias do litoral da Ilha Grande. Segue o trecho de 
                        uma reportagem: “J., 15 anos, uma das mais conhecidas 
                        do local, é uma das nativas da Ilha. Morena, esguia, 
                        é apontada como pioneira. (...) V.,16 anos, também 
                        começou a carreira com rapazolas da Ilha. Hoje, 
                        é uma das mais requisitadas. Cobra até R$ 
                        10,00 para “rolar na areia”. Diz que só 
                        aceita encontros nas noites em fins de semana. Seu medo 
                        maior é o de ser presa e sua família descobrir 
                        sua vida dupla. (...) As meninas do Abraão, por 
                        exemplo, são conhecidas como cinquinho, uma referência 
                        ao preço médio de R$ 5,00 por um programa, 
                        geralmente nas praias desertas e escuras.” (Jornal 
                        O Dia, Rio de Janeiro, 16 de março de 1997) 
                        
                        Nas noites de domingo, um cliente consegue arrumar facilmente 
                        um programa por R$ 10,00 na Vila Mimosa. O galpão 
                        está vazio, e as poucas mulheres que ainda permanecem 
                        ali, têm que levar algum dinheiro para casa ou tomar 
                        uma dose de alguma droga. Sendo obrigatório o pagamento 
                        de R$ 5,00 a cada vez que ela sobe ao quarto com um homem, 
                        resta-lhes apenas R$ 5,00 do programa feito, o que dentro 
                        da sua realidade, dificilmente dará para alguma 
                        coisa. Sujeitando-se a esta situação, enquanto 
                        aguarda um próximo cliente, que com o correr da 
                        madrugada se torna mais raro, é provável 
                        que Marcinha, ou Valéria, ou quase todas elas, 
                        busquem consolo numa carreira de cocaína.
                        
                        O medo é fator resultante do “perigo latente”, 
                        que parece sempre rondar as prostitutas, algo que está 
                        sempre pronto para mostrar as garras e provocar algum 
                        mal a elas. No caso da obra citada, Garotas de programa, 
                        para as mulheres todos os clientes deveriam ser muito 
                        avaliados durante a abordagem, buscando descobrir assim 
                        algum sinal que revelasse alguma mania estranha, alguma 
                        possibilidade de atitudes violentas.
                       Na Vila Mimosa e em outras áreas da baixa prostituição, 
                        o medo também está presente, talvez de uma 
                        forma até maior, porém, curiosamente, o 
                        “cliente” mais temido é o policial. 
                        Segundo elas, os policiais estão sempre procurando 
                        as viciadas, sobem aos seus quartos, para depois se identificarem 
                        e terem seus momentos de prazer gratuitamente, ameaçando 
                        levá-las por consumo de drogas. A prostituta já 
                        tem um certo temor em relação à polícia, 
                        e quando ela também é uma viciada, este 
                        temor assume proporções quase dramáticas. 
                        Uma certa vez, comecei a conversar com Nádia, uma 
                        morena com tranças rastafári que dizia estar 
                        “doida pra dar um téco”, ou seja, cheirar 
                        cocaína. Vestia apenas uma camiseta branca com 
                        a estampa de Bob Marley sobre o corpo nu. Pediu-me uma 
                        nota qualquer, para improvisar um canudo. Emprestei-lhe 
                        uma de um real e ela entrou no banheiro, saindo minutos 
                        depois com o nariz escorrendo e sorrindo desconfiada. 
                        Perguntou-me se eu era policial. “Claro que não”, 
                        eu disse, mas não a convenci. Sua fisionomia mudara, 
                        ela agora dizia que provavelmente eu estava ali para prendê-la, 
                        para investigar as outras garotas e essas coisas todas. 
                        A minha “salvação” foi que avistei 
                        Marcinha e a chamei para esclarecer o “mal-entendido”. 
                        Hoje, quando encontro Nádia na Vila, ainda brinco 
                        com este episódio. 
                      
                        3 - A construção da identidade social e 
                        a noção de desvio
                      
                       Maria Dulce Gaspar define prostituição 
                        “como um contínuo de relações 
                        possíveis entre homens e mulheres que combinam 
                        sexo e dinheiro sem passar pelo casamento ou pela procriação”. 
                        A prostituta desempenharia um papel determinado em uma 
                        área específica, com atitudes próprias 
                        ao local, que Park vai definir como “região 
                        moral”, ou seja, uma área freqüentada 
                        por indivíduos com gostos semelhantes e que estabelecem 
                        regras próprias para esta mesma área, onde 
                        são comuns hábitos que são reprimidos 
                        e considerados inadequados para o cotidiano do indivíduo 
                        “normal”. Vale lembrar que uma região 
                        moral não significa necessariamente que seja um 
                        local onde ocorram práticas criminosas e anormais. 
                        A idéia, diz Park: “(...) foi proposta para 
                        se aplicar a regiões onde prevaleça um código 
                        moral divergente, por uma região em que as pessoas 
                        que a habitam são dominadas, de uma maneira que 
                        as pessoas normalmente não o são, por um 
                        gosto, por uma paixão, ou por algum interesse que 
                        tem suas raízes diretamente na natureza original 
                        do indivíduo.” E completa: “Uma região 
                        moral não é necessariamente um local de 
                        domicílio. Pode ser apenas um ponto de encontro, 
                        um local de reunião.”
                        
                        Acredito que o local exerça poder determinante 
                        no desempenho dos papéis de indivíduos em 
                        atitudes consideradas “desviantes”. É 
                        certo que em uma sociedade onde a nossa aparência 
                        praticamente diz quem somos, ao nível do senso 
                        comum a prostituta seria uma pessoa facilmente identificável. 
                        Roupas justas e curtas, pintura forte no rosto, gestos 
                        forçosamente sensuais e uma determinada maneira 
                        de falar, tudo isso facilitaria no reconhecimento de uma 
                        prostituta. Afinal, quantas vezes já não 
                        ouvimos a seguinte frase: “Ela parece uma puta.”? 
                        Porém, é o local que confirmará, 
                        ou reforçará esta identidade. No seu “habitat” 
                        esta jovem não precisa se preocupar em não 
                        falar palavras grosseiras na frente de outras pessoas, 
                        Não precisa sentar-se de forma comportada. O que 
                        todos querem ali é justamente o contrário, 
                        que ela seja promíscua, desbocada e que passe a 
                        idéia de amar a sua profissão. O que o cliente 
                        busca na prostituta é o oposto do que deseja para 
                        namorada ou esposa, é o sexo sem nenhum compromisso 
                        afetivo. 
                       É certo que a identidade de indivíduos 
                        em desvio é em parte definida pelo grupo dominante, 
                        sendo complementada com um certo “consentimento” 
                        destes indivíduos. A mulher que desempenha o papel 
                        de prostituta sabe da sua condição, sabe 
                        como é vista pela sociedade, e não espera 
                        nunca ser reconhecida como apenas mais uma profissional, 
                        como outra qualquer. Perante a sociedade ela nunca será 
                        vista com bons olhos. Segundo Gilberto Velho, a família 
                        seria o “foco legitimador da sociabilidade” 
                        em sociedades como a nossa, e sendo assim, qualquer elemento 
                        que indicasse para uma ruptura no desempenho de papéis 
                        como o de filho, esposa ou pai, por exemplo, seria considerado 
                        “altamente perigoso”. Sob este ponto de vista, 
                        categorias como as de “drogados”, “homossexuais”, 
                        “prostitutas”, entre outras, estariam enquadradas 
                        como desviantes, ou seja, ameaçadoras das relações 
                        sociais. 
                        Os mecanismos de defesa serviriam como um “escudo” 
                        contra esta sociedade que tenta impor regras comportamentais 
                        de caráter geral. Para a prostituta, o uso de drogas, 
                        o escândalo, até mesmo seus gestos e roupas, 
                        servem para mostrar sua força, uma força 
                        que ela acredita possuir, e que a maioria dos clientes 
                        tende a reconhecer. A identidade da prostituta é 
                        definida pela forma como ela desempenha os seus papéis 
                        num ambiente determinado. 
                        
                        Tive a oportunidade de visitar residências de três 
                        jovens que trabalham na Vila Mimosa, uma que morava em 
                        Nilópolis, uma outra em Comendador Soares e a terceira 
                        em Alcântara. Nos bairros onde viviam, nenhum dos 
                        vizinhos tinha conhecimento das suas atividades e as tratavam 
                        com respeito, de uma forma comum. Sendo as três 
                        mães solteiras, passeavam com os filhos normalmente 
                        e se portavam como donas de casa, levando uma vida simples 
                        e fazendo planos, ainda que reconhecendo a dificuldade 
                        de realização. Uma dizia para os vizinhos 
                        que era auxiliar de enfermagem, sempre saía vestida 
                        de branco. Outra dizia trabalhar em um hotel na zona sul, 
                        apenas uma não se preocupava em dar satisfação 
                        da sua vida a ninguém. Pude acompanhar a chegada 
                        dessas garotas para uma noite de trabalho na Vila Mimosa. 
                        A transformação se dá de forma rápida. 
                        Em poucos momentos a roupa branca dá lugar a um 
                        vestido preto, justo e sensual. A mãe delicada 
                        e atenciosa agora é uma mulher especialista em 
                        sexo, que subirá ao quarto, numa noite considerada 
                        fraca, pelo menos cinco vezes. 
                      
                       É importante estar preparado para as dificuldades 
                        e limites que são impostos ao estudo de grupos 
                        “desviantes”. Mais uma vez será Gilberto 
                        Velho que nos apresentará uma discussão 
                        brilhante envolvendo este assunto em seu texto O estudo 
                        do comportamento desviante: a contribuição 
                        da antropologia social. Chamando a atenção 
                        para a necessidade de utilizar este conceito com o devido 
                        cuidado, Velho tenta estabelecer uma ponte entre a antropologia 
                        social e a psicologia. Ambas as ciências têm 
                        necessidade de se aproveitar de elementos uma da outra. 
                        Não existiria a possibilidade de um estudo neste 
                        sentido apresentar resultados satisfatórios quando 
                        o pesquisador adota a perspectiva de separação 
                        completa entre o individual (ou psicológico) e 
                        o sócio-cultural. Geralmente os estudiosos procurariam 
                        uma ou outra perspectiva, como enfatiza Velho: “(...) 
                        é possível perceber como os estudos sobre 
                        comportamento desviante oscilam entre um psicologismo 
                        e um sociologismo. (...) Ou se cria uma individualidade 
                        “pura”, uma “essência” defrontando-se 
                        com o meio ambiente exterior, de outra qualidade, ou então 
                        um fato social “puro”, também todo-poderoso, 
                        que paira sobre as pessoas”. E completa: “(...) 
                        a dicotomia indivíduo x sociedade e/ou cultura 
                        é que determina esses caminhos. Não se trata 
                        de negar a especificidade de fenômenos psicológicos, 
                        sociais, biológicos ou culturais, mas sim reafirmar 
                        a importância de não perder de vista o seu 
                        caráter de inter-relacionamento complexo e permanente.” 
                        Certamente que adotando uma visão interacionista 
                        teríamos a possibilidade de um trabalho mais dinâmico 
                        e abrangente. 
                      
                      Conclusão 
                      
                      
                        A natureza deste trabalho é, no momento, incompleta. 
                        O que tentei apresentar nestas poucas páginas é 
                        um esboço de algo que venho tentando dar forma, 
                        um estudo relacionado a prostituição e consumo 
                        de drogas. Espero que pelo menos em parte, tenha conseguido 
                        passar o que pretendo desenvolver futuramente.
                       Acredito que a demonstração 
                        dos aspectos humanos que se expõem durante a pesquisa 
                        deva ser sempre enfatizada, como defende Roberto DaMatta 
                        em O ofício do etnólogo ou como ter 
                        anthropological blues. Ainda que adotando o conceito 
                        de “desvio” com reservas, cabe lembrar que 
                        todos os indivíduos enquadrados nesta categoria, 
                        sejam eles prostitutas, viciados em drogas, presidiários, 
                        homossexuais, ou qualquer outro “rótulo” 
                        que possam lhes nomear, são acima de tudo, seres 
                        humanos. E sempre terão algo a nos passar que não 
                        encontraremos no mundo acadêmico, alguma lição 
                        de vida ou mensagem, que podemos levar durante muito tempo 
                        em nossa “caixa de emoções”, 
                        e que ao abrirmos, podemos dar um sorriso disfarçado, 
                        ou sentir uma lágrima escorrendo no canto dos olhos.