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Urano e Netuno no mapa do Brasil

Dimitri Camiloto & Carlos Hollanda

 

Um Colóquio entre a Astrologia,
a Sociologia e a História
A formação sociocultural brasileira - instituições e contradições no mapa do Grito do Ipiranga
Dois astrólogos com formação em ciências humanas discutem um tema que apesar de remeter ao passado, é pra lá de contemporâneo e importante para a compreensão dos costumes de políticos e da população brasileira. Tudo partiu de um questionamento simples que inspirou uma troca bem profunda de mensagens e uma surpreendente complementaridade de percepções. Você acha que isso não tem a ver com você como indivíduo? Talvez seja melhor pensar duas vezes...

Dimitri escreveu:

Gostaria de saber o que vc acha do Urano-Netuno na 11 do mapa do Brasil-Nação, em 1822 mesmo. Poderia ser a imprensa, câmara federal, um movimento social ou o quê?

Hollanda escreveu:

Dimitri, essa questão é boa de se trabalhar. O fato de o Brasil ter-se tornado independente durante uma passagem de Urano e Netuno em Capricórnio é muito significativo. Eles, conjuntos, têm preponderância sobre o Ascendente do Brasil (consideremo-lo em Aquário ou em Peixes - aquela velha controvérsia), significando, também, o sério problema da lógica paternalista que move a sociedade brasileira desde seu descobrimento, tendo um foco muito mais claro após a chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, com a corrida para o “beija-mão” do monarca, na busca desesperada pelo recebimento de privilégios e indulgências políticas e econômicas. O mapa da Independência parece ser o corolário de todo um processo de construção da sociedade brasileira, mostrando todo um conjunto de resquícios feudais - note que não afirmo que no Brasil houve feudalismo, apenas indico que a sociedade colonial tinha certos traços trazidos do feudalismo (ou, ao menos, do Antigo Regime) - e uma organização social baseada na ótica do privilégio, sempre na esperança de que uma solução venha “de cima”, como uma graça divina ou como os benefícios que o suserano dava ao vassalo na época feudal na Europa.

Se pensarmos bem, isso ainda é bastante presente hoje, quando necessita-se de um "padrinho" para que alguém dê credibilidade e poder a terceiros, mesmo que outra pessoa de maior capacidade comprovada esteja presente. A prática é ainda muito comum na cultura popular e tem raízes na Europa feudal e na cultura da sociedade colonial, onde o senhor de engenho, embora não possa ser considerado um senhor feudal propriamente dito, guardava características um tanto semelhantes (até uma igreja em seus domínios ele colocava, repetindo o modelo da nobreza feudal). Note que "padrinho" vem de "pai", o que tem uma conotação um tanto capricorniana, embora possamos enxergar o "pai do céu - Zeus-Júpiter" em meio ao conceito (e Júpiter faz conjunção com a Lua...). E naquele mapa, temos Saturno, regente tradicional de Aquário (considerando esse signo no Ascendente do Brasil) em Touro, signo de Terra, que, por sua vez, faz trígono com o Sol em Virgem, também Terra. Bom, ainda escrevendo meio de improviso, me parece uma marca bastante explícita do fato de as oligarquias rurais, os latifundiários e a própria nobreza brasileira, que comprava seus títulos para assemelhar-se à idéia de civilização que viam na Europa, serem responsáveis por tantos empecilhos ao processo de industrialização do país, mesmo quando Mauá ia, a ferro e fogo, implantando suas indústrias e demais empreendimentos. Pressionado pela necessidade que tinha de apoio dessas oligarquias, que legitimavam o poder imperial, Pedro II acabou fazendo jogo duro com Mauá. É claro que não é só isso que explica o problema, mas acho que já dá pra ter uma idéia.

O AMAZONAS:
CONTINUAÇÃO DO MISSISSIPI?!

A coisa é bem complexa e leva em conta a influência dos ingleses e sua necessidade de expandir seus mercados consumidores, problemas estratégicos quando da Guerra do Paraguai e quando houve uma iniciativa muito louca de um tenente da marinha norte-americana (Matthew Fontaine Maury – hidrógrafo e astrônomo do Observatório Nacional de Washington). Ele jurava que a bacia do rio Amazonas era uma espécie de continuação do Mississipi (lembram da política do porrete, o "big stick", a doutrina Monroe e tudo o mais?). Acho que essa conjunção em Capricórnio reflete uma contradição de nossa sociedade da qual só há pouco tempo a população vem se dando conta: o fato de ter uma cultura extremamente paternalista, sentir-se dependente dela, e ao mesmo tempo entrar em convulsões quando percebe que pode e precisa agir de maneira mais autônoma. Enfim, Dimitri, acho que só arranhei o que pode realmente ser interpretado a respeito.

Dimitri responde:

Bem, Hollanda, talvez eu ache a sua visão de Urano e Netuno na casa 11 do mapa do Grito do Ipiranga um pouco depreciativa. Tudo bem o enfoque na questão paternalista e tal, mas a própria questão patriarcal-patrimonial eu atribuo muito a Vênus/Nodo Sul em Leão. Curiosamente, Sampa é Aquário, o Rio é Peixes. Urano e Netuno... se ligou? Pode ser por aí... Nesse sentido, eu tendo a ver um lado mais positivo na conjunção.


Mapa da Independência do Brasil:
22. 09. 1822 - 16:30 - São Paulo

Hollanda responde:

A visão não é tão depreciativa assim. Aliás, trata-se de de um enfoque que tenta ser relativamente desprovido de classificações sobre o que é “bom” ou o que é “mau”. Como? O paternalismo é bom? Pode ser pode não ser. Talvez no contexto em que vivemos hoje seja algo um tanto inconveniente, mas no período feudal era algo importante para manter a satisfação das necessidades tanto de nobres e clérigos quanto de camponeses. Estes últimos dependiam da então inexistência de cercamentos e da possibilidade de cultivarem a terra para fins de subsistência, bastando que fosse pago o tributo à nobreza local. Era por intermédio do paternalismo que as massas de trabalhadores da terra mantinham um mínimo de dignidade e de conforto, a despeito da distinção social muito clara e da imobilidade social. Após instituírem-se os cercamentos (os enclosurements da Revolução Inglesa), que tudo indica serem fatores que contribuíram bastante para o desenvolvimento, séculos depois, da ideologia liberal, as populações camponesas foram forçadas a irem para as cidades ou viviam em situação deplorável, já que a terra agora era vedada à ocupação que outrora era “paternalmente” concedida pela nobreza. Tanto a conjunção de Urano com Netuno (que também ocorreu no início dos anos 1990) quanto a atual mútua recepção desses dois planetas parecem indicar um retorno nostálgico no imaginário de uma mescla de autonomia do indivíduo (como no liberalismo) e de paternalismo (como no modelo feudal, onde o acesso à terra era menos complicado). Me parece que o impacto de movimentos como o dos Sem Terra e as passeatas muitas vezes violentas de ativistas anti-globalização (ou anti-neoliberais) em várias partes do mundo constitui esse retorno. Como vemos não é algo literal, mas análogo, pois a idéia de reforma agrária assemelha-se muito a uma tentativa de retorno, com suas ressalvas, é claro, à condição do camponês antes dos enclosurements.

Quanto à conjunção de Vênus em Leão (signo certamente ligado à idéia de patriarcado, pai, paternalismo) com o nodo sul (ligado à idéia de algo que vem sendo trazido do passado e que de forma não tão velada como se pensa, interfere nas ações presentes) acho que você acertou na mosca. No entanto, no meu modo de ver, a identificação desse aspecto é tão somente uma reiteração de outros que podemos encontrar no mapa do Grito do Ipiranga, como o próprio trígono de Sol com Saturno. É curioso que muita gente só consiga enxergar o lado mais agradável dos trígonos, mas eles também podem funcionar como elementos de inércia e podem, apesar de indicarem favorecimentos, significar falta de vontade. No caso do Brasil, a “falta de vontade política”, por exemplo. Veja bem que não tomo o trígono como algo bom ou mau, apenas tento enxergá-lo sob várias dimensões, coisa que em consultório em trabalhos com pessoas, vemos com freqüência. Numa entidade coletiva como um país não é diferente, apenas é preciso transpor os significados de um ser individual para um ser coletivo. Agora, é claro que podemos dizer o contrário, isto é, que o trígono de Sol com Saturno nada mais é que uma reiteração da conjunção de Vênus com o nodo sul. São apenas alterações de procedimentos de astrólogo para astrólogo, sendo que uma forma de ver não só não invalida a outra como podem vir a endossar-se mutuamente. E o nodo norte, em Aquário, representa o esforço necessário para compensar séculos de paternalismo-patriarcalismo-centralismo com uma busca crescente por autonomia, progresso (essa palavra é polissêmica, especialmente em se tratando de Aquário...) e reflexão sobre as desigualdades sociais. Conforme reza a cartilha dos nodos, isso só costuma ser trazido devidamente à tona após ter-se experimentado as desvantagens associadas ao simbolismo do signo em que se encontra o nodo sul. Acho que tem chegado a hora.

Interpretando Dispositores

Vênus do mapa do Ipiranga rege Saturno em Touro (que rege o Ascendente e também a conjunção Urano-Netuno em Capricórnio). Vênus ali é regida pelo Sol, que é regido por Mercúrio, que é o dispositor final do mapa. E Mercúrio está oposto a Plutão. Creio que uma boa tradução para esta combinação de fatores, especialmente a oposição com Plutão, seja, entre outras coisas, o período da Ditadura, ou melhor dizendo, “as” ditaduras, inclusive o que ocorreu no início da República, que não era senão uma continuação dos interesses oligárquicos (do café, na virada do séc. XIX para o XX) mascarada de idealismo. Obviamente que existiram e existem idealistas convictos e sinceros envolvidos no processo de alterações de ordem social no Brasil, mas as forças políticas que assumiram o poder em 1889 serviam a interesses oligárquicos e não populares, mantendo, inclusive, o máximo possível de distinção social (até mesmo no caso dos imigrantes assalariados que acabavam trabalhando como escravos por dívidas nas fazendas de café). A referida oposição também pode ser associada a forças como a CIA, e todas as maquinações da política norte-americana que no século XX interferiram muito nas decisões governamentais e no controle da difusão de idéias entre a população. Note que Mercúrio encontra-se na sétima casa, embora muito próximo da oitava. A sétima casa, a dos oponentes, mas também muito oportunamente apontado por você (mais adiante) como uma casa de relações internacionais (o outro, em termos de países), é permeada pelo conflito Mercúrio-Plutão. O Brasil tende ao conservadorismo dos signos fixos e de seus planetas regentes. No caso, considerando Plutão como regente moderno de Escorpião, temos uma atração irresistível pelas grandes crises que precipitam mudanças drásticas em sistemas de governo e na economia (as várias moedas que tivemos, por exemplo) e aquela conhecida tendência que os indivíduos plutonianos (com Plutão enfático no mapa), têm de ao mesmo tempo estarem cientes da necessidade rompimento com uma realidade desgastada e oferecerem poderosa resistência a isso. Quanto a isso, encorajo os leitores com tal ênfase (Plutão na casa 1, Plutão conjunto ao Sol ou à Lua, Plutão na 10, Plutão em meio a um stellium...) a rastrearem em si mesmo essa característica e compararem com o que indico sobre história do país.

Quanto às suas comparações da importância de São Paulo e Rio de Janeiro com essa configuração (Urano e Netuno) sou de total concordância. Ambas as cidades são forças político-sociais-econômicas do país e tendem a reproduzir exatamente os conflitos e contradições representados pela conjunção Urano-Netuno em Capricórnio no mapa do Grito do Ipiranga. Mas eu incluiria aí o Estado de Minas Gerais, durante a política do Café com Leite. Não incluo Salvador, porque a cidade só foi capital quando o Brasil era ainda colônia.

 

 

Dimitri acrescenta:

Então... seguindo viagem no Urano/Netuno. Me parece que, se não pensamos na conjunção como em boa parte produto de uma era sagitariana anterior, de nada adianta nosso esforço. Até porque ela ocorre bem no início do Capricórnio. De modo que a Independência do Brasil não pode ser astrologicamente analisada sem que compreendamos especialmente o período entre 1806 e 1821.

Netuno, ao entrar em Sagitário em 1806, vai trazer Napoleão mudando o rumo da história na Europa. Após o início da década de 1810, contudo, Netuno começa uma quadratura com Plutão que irá durar até 1825. Netuno em Sagitário, Plutão em Peixes. As convulsões européias têm as suas conseqüências. As colônias latino americanas pouco a pouco vão se tornando independentes. Dom João VI vem pro Brasil fugido e, junto às peculiaridades do processo brasileiro, nos mantêm um caso à parte. Fazemos uma invasão inócua à Guiana Francesa. É certo que as monarquias européias e seu poder colonial e supremacia sofrem uma reformulação profunda, com o capitalismo entrando em franca expansão. É o início de um longo período de liberalismo, com os efeitos das revoluções industrial e francesa começando a incutir de forma global pelo mundo. Sagitário expande, pois, a mudança anterior, originada na Inglaterra e na França.

Se tomarmos a nação lusa como essencialmente pisciana, a verdade é que o poder de Portugal, representado neste momento pelo Plutão, vai começar a sofrer abalos sérios. Vale dizer que a cidade do Rio de Janeiro, antes com a vinda da Corte, logo em seguida com os portos abertos e posteriormente elevada à condição de centro do Reino Unido, navega fundo também com a nau pisciana, além de ter Urano conjunto ao Nodo Norte, bem no meio de Sagitário, em sua carta histórica. A cidade permanece nas mãos dos portugueses (como até hoje, nos botequins, e cada vez menos nas padarias e barbeiros), até porque ela mesma tem o Plutão em Peixes. A cidade passa, portanto, por um retorno de Plutão entre 1808 e 1811. Em 1815, quem entra em Sagitário é Urano. Então, com o Rio de Janeiro elevado à capital do reino unido português e com os portos finalmente abertos para as nações amigas, passa a receber um fluxo cada vez maior de navios.

O Congresso de Viena recria as fronteiras na Europa. Com o início da conjunção entre Urano e Netuno na quadratura com Plutão, acontece a Revolução do Porto, em 1820. Os ocupantes ingleses são desalojados, a inclinação da revolução é liberalizante, mas o Brasil decepciona-se com as mudanças que lhe caberiam. Aqui, então, podemos concluir seguramente que o desafio de Urano e Netuno a Plutão transforma radicalmente o mundo luso-brasileiro. Todavia, outra diferença que nos separa de nossos irmãos sul-americanos, além da língua, fica sendo que a independência deles é sagitariana, a nossa é capricorniana.

A COMPARAÇÃO COM O SÉCULO XX

No nosso reloginho astrológico (olha a sistematização, olha a sistematização), entendidas as diferenças e mudanças cada vez mais manifestas nas sociedades contemporâneas, principalmente após a incorporação de Urano (séc XVIII), mas que não nos impedem de comparações históricas mais amplas, contudo por comparações em si muito mais complexas; a época se reflete no novo encontro de Urano e Netuno. As décadas de 1970 e 80 são, tão somente, outra era sagitariana, ainda que Plutão esteja agora do lado oposto, em Libra e Escorpião (em verdade, a quadratura não ocorre agora, e sim o sextil). São as revoluções no mundo socialista em direção ao próprio liberalismo, trata-se de uma verdadeira hegemonia liberal pelo mundo. Uma importante variável, que se repete então, é essa política do deixa o barco correr, meio cada um por si. Não há o menor clima, por exemplo, de welfare state. Obviamente toda uma rede de poder, ainda mais em países como o Brasil, se faz valer por meio de grandes corporações. Assim como a abertura dos portos nos faz gravitar em torno do capitalismo inglês mais intensamente. Fica evidente, dessa forma, que tanto a independência do Brasil como o seu processo de redemocratização política no fim do século XX, passa pelos caminhos da abertura econômica do país ao capitalismo mundial.

Interessante observar a consolidação territorial do Império Brasileiro sob a ótica capricorniana. O restante da América do Sul se fragmentou, de uma forma ou de outra (Sagitário - liberdade e identidade para todos). A unidade sonhada por Simon Bolívar não aconteceu (ainda que ela não pretendesse unificar necessariamente os países). No Brasil mantém-se o país indiviso, pela força das armas na grande maioria das vezes. Aqui, é bom que se diga, encontra-se muito da centralização de Plutão em Áries, essa força que muitas vezes se materializou no exército em batalhas principalmente internas, já que o Brasil tem um papel externo de conciliação muito maior.

URANO E NETUNO EM CAPRICÓRNIO

Assim, Hollanda, essa conjunção Urano e Netuno tem cheiro de liberalismo. De liberalismo globalizado. Cheiro de leite requentado do verdadeiro momento revolucionário anterior, no sentido histórico mesmo. A astrologia é maravilhosa também por permitir essa avaliação do quanta histórico. Segue viagem.

A quadratura com Plutão pode ser entendida, dessa maneira, como um eixo que faz com que o país tenda ora pelo capitalismo liberal e global de Urano e Netuno em Capricórnio - mas ainda assim de nuanças paternalistas como você frisou, mesmo que não representadas por essas corporações -, ora pelo nacionalismo fechado e centralizador de Plutão em Áries; este decisivamente acionado, quando de Urano em Áries, ao fim da República Velha nos 1930s, com Getúlio Vargas e o exército gaúcho (lembrem-se da Guerra do Paraguay, com Netuno em Áries). É bem provável que haja muito de Áries nas cartas históricas gaúchas. Com a
permissão ou não, tanto do exército como de gaúchos, a próxima parada de Urano será em Áries. Daí a minha preocupação virginiana frente à permissividade e desmobilização de Urano em Peixes, que pode detonar um processo centralizador posterior - com Urano em Áries -, em 2010. Mas isso é profecia sociológica.

Apesar do golpe militar de 64 ter ocorrido quando o Sol de casa 7 brasileiro (que em certos momentos pode ser associado ao estrangeiro também, pela natureza da casa e da nacionalidade de D. Pedro) recebia conjunção exata com Plutão, é contudo com a entrada de Plutão na casa 8 e na conjunção imediata com Mercúrio regente desta mesma casa - e domiciliado portanto -, que os maiores descalabros e carnificinas começam a ocorrer no Brasil, num dos períodos mais obscuros e ao mesmo tempo de pujança econômica (com muitos empréstimos externos, é bem verdade). Então, cerca de duas décadas e meia antes da conjunção Urano/Netuno, uma outra conjunção, entre Urano e Plutão, mergulha o país no
regime autoritário que só vai abrir mão de seu controle (porque é isto o que ocorreu, para mim) na conjunção em Capricórnio. E, mais uma vez, o país foi dos últimos a terminar sua ditadura militar, seguindo o sentido liberal/autônomo dos tempos sagitários que se materializam em Capricórnio.

Naquele momento, na "redemocratização", Plutão estava domiciliado no Meio Céu brasileiro e, curiosamente, ao mesmo revolucionando, mas garantindo também o poder. Donde chegamos à tese de que o grande avanço de Plutão por essa época era a purgação do impeachment e o advento do plano real, com a queda da inflação. Mas as desigualdades recordes de nosso país na distribuição de renda não se desfizeram. Falta isso pra purgar. Essa, como sempre, ficamos devendo. Mas vejam bem, justamente quando de Urano em Áries, Plutão estará conjunto à dupla regente Urano e Netuno. "Hum, tem angu de caroço aí".

CÂNCER-CAPRICÓRNIO:
ANÁLISE SOBRE O EIXO

Outro ponto que deve envolver uma avaliação histórica de Urano e Netuno em Capricórnio é a premissa de que necessariamente os temas diretamente ligados a Câncer, o signo complementar, estejam na berlinda.

Ora, o romantismo acaba encontrando, justamente aí, um de seus períodos mais promissores. Já falei noutras ocasiões de que vejo o signo oposto a Urano sempre presente nos trânsitos, dado o caráter político-polarizador do planeta, além da própria inventidade, que muitas vezes inverte, subverte ou recria o tema zodiacal em questão.

Esse eixo Capricórnio-Câncer é bastante importante para a compreensão da modernidade. Muita gente, quando vai buscar entender o que mudou no mundo da revolução industrial pra cá, pensa apenas no choque civilizatório (para o bem e para o mal) e na complexidade industrial e econômica, ou seja, na preponderência de uma visão macro, capricorniana. Já a dimensão romântica, que inspira o indivíduo a viver seu sonho pessoal, subjetivo, faz com que atue dialeticamente com a engrenagem (capricorniana), consumindo e levando o sistema à frente.

Nesse caminho, paralelamente à consolidação de um sistema e de uma ideologia do livre mercado (1820-30s) emerge uma consciência romântica e imaginativa, no sentido em que a subjetividade se liga aos novos signos sociais, estilos e fantasias imediatamente germinados após a modernidade, "desejando" e "consumindo" os produtos e a ideologia industrial por meio dessa imaginação.

Hollanda comenta e acrescenta:

Você mencionou a importância da passagem em Sagitário dos dois planetas objetos desse nosso diálogo. Muito feliz sua percepção. De fato, a coisa cheira a globalização, mesmo que saibamos que o processo globalizante tem origens mais antigas, com cada pensador apontando um foco - alguns dizem ter-se iniciado nas grandes navegações, outros já salientam o comércio no mediterrâneo e a expansão comercial para o Oriente, ainda nos séculos XIV e XV. E olha que Urano e Netuno estiveram conjuntos em Sagitário no último quartel do século XV, Plutão passou por ali no início do século XVI. No século XV Plutão ativava Sagitário pela polaridade, ao transitar por Gêmeos. Outros ainda falam a respeito do crescimento da influência militar, comercial e cultural do Império Romano como classificável como processo globalizador. Enfim, discordâncias acadêmicas à parte, a ativação de Sagitário pelos planetas trans-saturninos mostra repetitivamente, ao menos nos pontos abordados acima, a idéia de expansão, difusão, abrangência territorial, comercial, econômica e cultural por um ou mais impérios. Na maior parte dos casos uniformizando leis, costumes, interesses econômicos e formas de dominação política.

Você também mencionou o fato de a Independência não poder ser devidamente compreendida em termos astrológicos sem compreendermos, primeiro, a fase anterior, sagitariana. Estou totalmente de acordo, posto que não só em história, como também em astrologia nada pode ser analisado de maneira estanque. Tudo faz parte de um processo. Vale dizer, no entanto, que também é importante estabelecermos um corte temporal e um contexto para podermos produzir uma explicação coerente com o objeto de estudo. Em termos de mapa da Independência, a qualidade daquele momento sugere que, apesar do processo que deu origem à condição em que o país se encontrava então, funcionou como ponto de partida para uma realidade particular da “instituição Brasil”, não exatamente “nação”, coisa que só viria a poder ser classificada como tal na segunda metade do século XIX com o advento de uma literatura e de uma forma mais definida de autopercepção do povo como pertencente a algo típico daqui. Antes disso, o que os entusiastas do Brasil-nação tinham em mãos era tão somente uma capacidade de discernir o que não eram e eles sabiam que não eram mais portugueses ou uma extensão de Portugal. Daí as piadas de português, diga-se de passagem. Essa foi uma forma de gerar a diferenciação. Não se sabia o que ou quem éramos, mas tínhamos certeza do que não éramos. É claro que alguns vislumbres de brasilidade já podiam ser vistos nas obras de Aleijadinho, nas quais ele retrata um tipo humano que não era nem europeu, nem africano, nem indígena... era algo muito miscigenado, cheio de particularidades.

Pois bem, a abertura dos portos com D. João VI é a cara do que hoje chamamos de globalização e Napoleão, guardadas as devidas ressalvas de contexto e interesses, é a marca do elemento imperialista em ação, não importa que tipo de ideologia estivesse sendo defendida. Trata-se, entre outras coisas, de ampliar o domínio territorial, mental e econômico. Sagitário, pois!

Outro ponto que me chamou a atenção em suas observações é a diferença entre a independência dos demais países sul-americanos e a do Brasil, os primeiros tendo um sentido sagitariano e o segundo capricorniano. Aí é que está, conforme você mesmo ressaltou, o padrão liberalizante da época sendo confrontado com as enormes contradições do Brasil, o último país a libertar seus escravos. No contexto do Brasil do século XIX, o modelo patriarcal-patrimonial era uma instituição que estava recebendo seus primeiros impactos vindos da onda liberal. Ali, talvez ele fosse inconveniente para os liberais que tinham em D. Pedro I a esperança (vã) de desenvolvimento e implantação de novos tipos de relações sociais.

DEFINIÇÕES SOBRE O
LIBERALISMO E DESIGUALDADES

Note-se que para o pensamento liberal não é inoportuna a monarquia, desde que ela seja limitada em poderes e que o Estado, fracionado em diversos poderes, não interfira na livre iniciativa, promovendo tão somente a estabilidade política necessária ao desenvolvimento dos negócios e investimentos. Da mesma forma, para os liberais, a desigualdade social não é descartável nem tida como perniciosa. Segundo a ótica liberal, bastava que o indivíduo (ênfase na idéia de indivíduo, pois é do pensamento liberal que isso toma a cara e a potência que tem nos dias de hoje, apesar de termos alguns gérmens do que posteriormente tomaria a forma de individualismo ainda no séc. XI) trabalhasse, se esforçasse autonomamente para que fosse bem sucedido. Os liberais, embora idealistas em essência, não tinham em mente que a regra não funcionava em todos os casos, pois o modelo ao mesmo tempo em que reduz o poder do Estado, não o outorga ao povo. Esta, aliás, é uma das diferenças fundamentais entre o liberalismo e a democracia, dilema predominante em toda a metade do século XIX.

Mencionei os enclosurements e o problema da privação de recursos da massa camponesa quando do desenvolvimento capitalista inglês e a disseminação da Revolução Industrial. O modelo liberal, embora distante da época de início dos cercamentos, trabalha muito bem essa questão da liberdade e privação. Conforme o nome já diz, existe o direito à liberdade de cercar os campos, só que isso não vale senão para aqueles que têm algo a proteger. Para os demais, significa privação da possibilidade de criar animais, por exemplo, aproveitando-se pastos abertos. O liberalismo, em seu início, até a Revolução Industrial, tem como princípio a não permissão da concentração de bens nem a exploração do homem pelo homem. A Revolução Liberal parece ter libertado mais do que oprimido. Mas e no Brasil? Como esse liberalismo chegou aqui e como as relações sociais se modificaram a partir disso? Para os conservadores, a coisa tinha que permanecer exatamente como estava. No Brasil a força liberal que nutria esperanças em D. Pedro I estava calcada na idéia de centralismo político, algo bem capricorniano (e também leonino). Tanto que quando D. Pedro I retornou a Portugal e o país entrou no Período Regencial, quase houve a desagregação política que desfavoreceu os outros países latino-americanos. E o advento gradativo do liberalismo no Brasil tem um marco no processo de Independência e no mapa do Grito do Ipiranga uma referência à estranhíssima forma assumida por essa ideologia aqui em terras tupiniquins. Era ao mesmo tempo um modelo paternalista e liberal. Como pode ser? No Brasil esse paradoxo se deu na prática, com a manutenção do escravismo, com a retenção do poder entre os proprietários de terras, com os privilégios comerciais dados aos portugueses em detrimento dos brasileiros e com uma mobilidade social um tanto retida pelos costumes estratificadores bastante arraigados e muito calcados em questões raciais (mestiços, xiii...).

O aspecto liberal mostrou-se com a Constituição de 1824, onde o poder do Estado era dividido entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Entretanto, voltando à contradição tão específica do caso brasileiro, Pedro I instituiu um quarto poder, o Poder Moderador, e isso sabendo que a Constituição fora outorgada, não promulgada. Qual a diferença? A outorga de uma lei é uma concessão, um beneplácito, algo que “vem de cima”, enquanto a promulgação é algo vindo a público, divulgado ao vulgo. Novamente, até com as palavras empregadas para instituir as leis que regeriam o país tivemos a interferência da ótica paternalista. Ora, com o Poder Moderador D. Pedro manteve traços absolutistas, mesmo dentro de um governo pretensamente liberal. Ele concentrava um poder sem paralelo, um caráter centralizador e inegavelmente autoritário (eita Leão, eita Capricórnio do mapa do Brasil!). Tal coisa acabou sendo o estopim da Confederação do Equador, em Pernambuco, que traduzia um sentimento nativista inspirado no episódio das invasões holandesas da região no século XVII. Na ocasião, o sentimento retornava temperado pela divulgação, e até mesmo encampação, das idéias liberais européias. De novo o conflito entre o progressista e o conservador tão típico da conjunção de Urano e Netuno em Capricórnio e na casa 11 do Brasil. E mais: a revolta é típica de processos de inversão de ordem que tenho verificado em diversas pesquisas serem bastante pertinentes à época da conjunção desses dois planetas e também à de sua mútua recepção, ambas as configurações astrológicas trabalhando de maneira complementar sobre o imaginário e sobre a situação sociopolítica.

O BRASIL INTEGRADO
E A AMÉRICA LATINA

No caso do processo consolidador do território brasileiro em contraponto à fragmentação da América do Sul em diversos países, enxergo também no papel centralizador desempenhado pelos dois monarcas, mais especialmente em D. Pedro II e seu gabinete do Golpe da Maioridade, um fator fundamentalmente Leão-Capricórnio. Ou, ainda, a própria característica centralizadora dos signos fixos, Touro, Leão, Escorpião e Aquário, nos 4 ângulos do mapa. Outra coisa: tenho uma dificuldade muito justificável de considerar o Brasil um país essencialmente pacífico. A história mostra que não só não é pacífico, como você demonstrou ao citar as batalhas internas, como também tem vocação imperialista. Sei o quanto essa afirmação pode parecer controversa para o senso comum, mas o próprio Pedro I vivia tentando estender seus domínios à Argentina, tomou o território que hoje é o do Uruguai (na época, a Província Cisplatina) e apesar da falta de recursos bélicos e econômicos, Pedro II tinha uma política expansionista na América Latina, só não podendo fazer frente aos interesses norte-americanos na região. As más(?) línguas dizem que Pedro II sonhava em atingir o oceano Pacífico, mas não sei qual a fonte dessa informação. Ela, porém não me parece de todo improvável.

Você fala sobre o papel de Plutão em Áries nessa força centralizadora. De fato, como signo de Fogo, Áries também possui uma característica centralizadora bastante especial. Mas já enxergo Plutão em Áries (em zero grau e catorze minutos, para ser mais exato – acabara de entrar no signo) como o marco de um processo decisivo de rompimento com o passado colonial do país, reiterando o fato de que o Brasil passara a ter maior importância econômica que a metrópole portuguesa ainda antes da família real aportar por aqui. Igualmente, Plutão na casa 2, ocorrendo durante o primeiro reinado, lembra bem que Pedro I, ao dar o pira, acabou de esvaziar o que restava dos recursos do Estado, coisa que já havia sido muito bem sugada pelo papai D. João. Ou seja, o país nasceu nas mãos daquele que lhe tiraria um bom pedaço de seus recursos por achar que eles eram seus (ou de Portugal) por direito.

CONCORDÂNCIAS IMPORTANTES

Entre outras de suas observações não pude deixar de comemorar festivamente a aguda percepção que o fez trazer à tona algumas premissas que venho acalentando e que você soube traduzir muito coerentemente. Trata-se primeiramente da menção à regra da polaridade, quando você cita Urano e Netuno em Capricórnio agindo sobre temas cancerianos. Costumo dizer sempre que não existem 12 signos, mas sim 6 eixos trabalhando em conjunto. Não tenho dúvidas quanto ao fato de uma posição num signo ativar direta ou indiretamente seu oposto complementar, especialmente se estamos falando de planetas trans-saturninos, como Urano, Netuno e Plutão. O trânsito deles num setor ativa imediatamente seu oposto como se ele ali estivesse passando. Aliás, Fernando Fernandes tem alguns trabalhos excelentes quanto a esse aspecto e remeto o leitor a rastrear o índice por autor da revista Constelar para encontrar ali premissas semelhantes. Agora, não foram muitos os astrólogos com quem troquei percepções que têm essa visão em comum sobre o signo de Câncer. Muita gente atribui apenas a Peixes e a Netuno a característica sonhadora, romântica (e o próprio Romantismo, como movimento) e tudo o que tange ao imaginário. Mas Câncer é um signo por excelência ligado ao imaginário em oposição à idéia de realidade manifesta de Capricórnio. Foi a partir da Independência, inclusive, que começou-se a estipular o que seria uma cultura brasileira através de compilações de obras que contavam com o folclore, com os costumes miscigenados, enfim, o que seria uma identidade verdadeiramente brasileira com cidadania brasileira, sem que os cidadãos se sentissem “portugueses fora d’água” (perdoem o trocadilho, mas era o que acontecia aos nativos daqui que tinham como centro político a metrópole).

Outra coisa sobre Câncer que vale a pena acrescentar nessa altura do campeonato é que os fatores potentes neste signo, Lua (domicílio) e Júpiter (exaltação) são ambos astros ligados simbolicamente à imagem, à fantasia, ao domínio do “irreal”. A diferença entre Câncer e Peixes na questão do imaginário é que Peixes assume um caráter mais universalista, sem fronteiras, enquanto Câncer é, tal como seu oposto, Capricórnio, um limitador por excelência que elabora e tonifica conteúdos pertencentes a determinado grupo social. E não bastasse isso, temos em Câncer também o sonho por trás das instituições que visam, cada uma dentro de seu contexto e limites ideológicos, estabelecer a ordem social segundo um padrão herdado de gerações anteriores ou da assimilação da imagética transmitida de cultura para cultura. É o caso que você mencionou do consumismo, do marketing, como o da indústria cinematográfica norte-americana, cujo país é duplamente jupiteriano, se pensarmos na exaltação de Júpiter em Câncer, o Sol dos EUA, e do domicílio de Júpiter, o Ascendente dos EUA.

Fora isso, também temos, naquela época (a da Independência do Brasil), o início de um bem longo processo de inversão de ordem na família (Câncer). O pátrio poder parece começar a ser minado no século XIX aqui no Brasil e eu tenho a nítida impressão de que isso teve início durante a conjunção de Urano com Netuno em Capricórnio, que está no mapa do Grito do Ipiranga. Hoje em dia nem mesmo na legislação brasileira considera-se a idéia de que o pai é quem detém esse poder. Agora o termo, ao invés de “pátrio poder”, passou a ser “poder familiar”. Olha a inversão aí...

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