Divagações sobre a Segunda Vinda
por Carlos Raposo

"Quem quiser julgar corretamente
deve despojar-se do hábito de acreditar"
(Giordano Bruno)


Num desses raros momentos de descanso que a minha intensa vida
profissional permite, preguiçosamente acomodei-me a frente da surrada TV para desfrutar de alguns minutos de relaxamento e poder libertar minha mente da incômoda lembrança das tarefas cotidianas.

Passeando aleatoriamente, completamente à toa, para lá e para cá pelas estações, me deparei com uma distinta senhora sendo entrevistada, e bem no exato momento o qual ela - na mais absoluta das parcimônias - dizia "sou uma bhodisatwa da Grande Fraternidade Branca, e sei de fonte absolutamente fidedigna que o Cristo não retornará, passados 2000 anos de sua primeira vinda, pois, durante sua estadia em nosso mundo de trevas, ele já colou grau..."

"Opa!" - não pude evitar o espanto, e justamente quando tentava uma dose de whisky.

Refeito do indesejado engasgo, e ainda lamentando o desperdício escocês, acompanhei atentamente, num estóico esforço, o desenrolar da entrevista. Em suma, a reportagem tratava da possibilidade de se ocorrer uma Segunda Vinda do Cristo. Como qualquer manifestação pública, as opiniões divergiam. Enquanto muitos confirmavam a boa nova, ou melhor, a "nova boa nova", dizendo estar próxima a hora, "os sinais são claros", outros tantos, categoricamente, como a ilustre bhodisatwa, sabiam seguramente que nada daquilo iria acontecer. Durante todo o programa, vários representantes de diversas religiões, seitas, movimentos esotéricos, ou o que seja, estiveram presentes.

A seqüência de quase todas as opiniões e pareceres era, de fato, algo
medonho. Dessa classe, apenas escapavam alguns escolásticos, teólogos e rabinos, que me pareceram sinceramente constrangidos pelo tom dado a questão.

Ao final da dita reportagem, eu, que apenas procurara um brevíssimo
momento de relax, estava tão enlevado por todo absurdo que havia sido dito, que decidi procurar refúgio por outras bandas bem mais conseqüentes. Reforcei o malte, voltei à minha pequena biblioteca particular, acendi o cachimbo - companheiro de reflexões - e dediquei o restante de meu precioso tempo de isolamento a uma boa leitura. Felizmente, as linhas de Borges e Saramago estavam disponíveis. Bem mais tarde, após o ótimo conselho argentino e depois da maravilhosa letra lusitana, pude ter uma boa noite de sono.

Mas logo encontrei-me desperto pela pálida aurora dominical. Uma chuvosa manhã de primavera, em plena cidade maravilhosa, traduz um irrecusável apelo para permanecer exatamente onde se está: em casa. Toda minha ambição, naquele instante, era tratar de pequenos afazeres domésticos e ficar completamente ocioso, como se o segundo subsequente ao próprio final dos tempos finalmente houvesse dado os bem vindos ares de sua graça.

"Há! O fim dos tempos! O quanto muitos já não ganharam com esse termo, com o ideal apocalíptico!" - foi meu óbvio e inevitável pensamento.

De certo que as grandes religiões, possuidoras de supremas virtudes e
infantes erros, merecem nossa singela reverência. De modo distinto, também fazem jus a respeito e deferência os diversos conciliábulos de natureza mística & esotérica, pois que são molas e forças motrizes da
espiritualidade do homem atual. Bom, pelo menos é o que dita suas próprias cartilhas; aliás, isso é somente dito em suas próprias cartilhas.

Assim, ante a natureza de nossa posição, nós, despretensiosos andarilhos que pertencemos a classe dos profanos-graças-a-deus, permanecemos transitando, anônimos e silenciosos, entre a multidão. Afinal, somos meros grãos de poeira perto do magnífico poder exercido pelas supostas manifestações terrenas dos poderes tidos por celestiais. Contudo, provavelmente algo a ser lastimado por parte (de grande parte) dos artífices do comportamento religioso humano, existem alguns andarilhos grãos de poeiras que, muito além da pequenez pela qual são tomados, pensam. E, quando o temido anjo mau do bom senso, de modo pilantra, cretino e irreverente, sentado em meu ombro esquerdo, sussurra "fala!", sob um aspecto, constrangido, digo não ser eu a Pietá, mas, sob um outro aspecto, agora afortunado, fico feliz em não ter um joelho meu destroçado pelo escultor. É provável que esse anjo mau, também um artista de raro e não reconhecido talento, deva estar gargalhando a está hora.

Enfim, sigamos, quebrando um pouquinho o silêncio habitual.

Como tema paralelo aos apelos apocalípticos, a ansiada Segunda Vinda do Cristo tem ganhado excessiva atenção por parte da mídia de nosso país. E já que o assunto encontra fácil receptividade, não só farei dele um momento de reflexão pessoal como também exporei a todos o resultado de minha meditação dominical. Mas, vale o rápido aviso, tudo sem a presunçosa pretensão de fazer-me sequer algo semelhante a um Prometeu da verdade absoluta. É apenas um ponto de vista.

Em que se pese o teimoso ceticismo de muitos, a Segunda Vinda já aparece como fato incontestável a certos círculos de religiosos e místicos. Uma das raízes de tal divina certeza parece se encontrar ao alcance de qualquer mero mortal. Segundo determinado santo livro, a Bíblia, em alguma santa parte, não por mero acaso mas seguindo os desígnios do Criador, fala-se de certos sinais. Estes sinais seriam os verdadeiros arautos do desfecho dos tempos: guerras, pestes, fome, rei contra rei. A quádrupla cavalaria. A devastação, a tormenta, o suplício, o martírio: tais são as derradeiras promissões do sacro saltério ocidental. Essas, segundo os místicos, sendo características do presente momento planetário, também comporiam a sinalização definitiva, o sinal maior, o supremo anúncio, o último dos plim-plins, epílogo dos epílogos, que indicaria a tão esperada Segunda Vinda.

Com certeza, tais características assolam a presente humanidade. Contudo, creio não precisar fazer alarde quanto ao fato de que fui incapaz de, apesar de um imane esforço de memória, recordar qualquer momento da história dessa mesma humanidade no qual tais agouros - devastação, a tormenta, o suplício, o martírio - estivessem ausentes por completo. Talvez, mero detalhe incidental...

Mas, a partir dessa "inequívoca" constatação, formou-se um verdadeiro
séquito de arautos e discípulos do, assim chamado, Novo Cristo - o Cristo da Nova Era - aquele que, em uma não tão inédita demanda, viria salvar-nos de todo mal que assola a humanidade. Detalhe outro - mero capricho, detalhe também incidental - é mencionar que a mesma humanidade, segundo consta, outrora já fora salva por Ele, quando de seu primeiro release. Os novos tempos, dirão, após o final dos tempos, serão dadivosos em paz e eterna felicidade. Um vaticínio - outro detalhe incidental - nada original.

Mas vamos esquecer o aglomerado de detalhes incidentais e evitar a
monotonia, pois seu conjunto, ainda que acidental, não passa de mero
detalhe.

Vejamos: útil será, como ilustração, relembrar a Lenda do Mártir do
Calvário. Em resumo ela diz que o Salvador, nasceu da Imaculada Virgem
Maria, bem durante o Solstício de Inverno, em dezembro, em uma pequena manjedoura. Desde bem cedo, ainda menino, Ele já demonstrava incomum interesse e conhecimento das Escrituras Sagradas, prodígio esse que perturbou até mesmo os anciãos e rabinos do Templo. Depois, Ele passaria cerca de 20 anos de sua vida em plena obscuridade. O Sacro Livro, com o perdão pelos vocábulos ofensivos, é inexplicavelmente omisso e cru quanto a tal obscuridade. Contudo, conforme registrado em certos apócrifos, durante longo tempo, teria Ele sido instruído por certa classe de povo do deserto, os Essênios. Suposição igualmente apócrifa, por certo, até mesmo obscena -
segundo alguns.

Após os vários anos de reclusão e anonimato, voltando ao convívio popular, realizaria milagres. Entre estes estariam a cura de enfermos, a expulsão de demônios, a multiplicação de peixes e pães, perambular sobre as águas, o ressuscitar de mortos, etc. Ademais, no topo de uma colina, um magnífico panegírico proferiria, chamando a atenção de muitos. Entraria, triunfante, montando um burrico, na cidade de Jerusalém, onde seria saudado pela multidão local que, para tal, empunhava ramos de palmeiras. Irado, expulsaria os vendilhões do Templo. Logo, seria traído com um beijo. Preso, é humilhado, julgado, condenado, crucificado e morto. Ressuscitaria ao terceiro dia, aparecendo a seus incrédulos discípulos. Por fim, sentaria à direita de Deus-criador, seu Pai, vindo a julgar os vivos & os mortos.

Lenda narrada, fico aqui a imaginar, a partir dos depoimentos da
supracitada reportagem, como se daria o Segundo Advento. Seria algo
tremendo!

Sobre o seu nascimento, haveria muita especulação. Mas muitos evitariam o tema, pois o mesmo, conforme os adeptos do segundo advento, estaria envolto pela espessa bruma dos altos mistérios iniciáticos, cuja proibida comunicação estaria francamente impossível a nós, habitantes do vulgo. Entre os que ousam falar a respeito, todavia, a tese que mais ganha asas diz ser o Novo Messias fruto de uma elaborada manipulação genética. Ele estaria livre de qualquer infeliz percalço que, porventura, pudesse estar presente em sua estrutura física, psicológica ou espiritual. O novo corpo do Novo Salvador teria sido especialmente preparado para receber Aquela alma que, há cerca de duzentos decênios, aqui esteve para cumprir a rotina bi-milenar de Salvação.

"Tudo bobagem!" - é dito com certo sarcasmo por outros adeptos. Grandes adeptos! Afinal, Ele, chegando filho de carpinteiro partiu como Redentor, colando grau em todas as disciplinas que a mente humana pode conceber. Hoje, estando Ele muito além da existência terrena, redil de penúria e prostração, tem a agenda cósmica cheia de compromissos bem mais elevados. Pela Terra, esse mísero grão de poeira, o máximo que o Novo Senhor faria é - misericórdia entre as misericórdias - mandar emissários para retirar os véus da ilusão de maia dos olhos da humana criatura; sendo aquela tediosa bhodisatwa, um desses emissários removedores de véus. Sim, aquela bhodisatwa retirará os véus de ilusão...

Voltando a hipótese de Sua nova vinda: chegando em nosso planeta, diriam, o Novo Cristo provavelmente - para fazer uso de um mero chavão entre tantos chavões - não seria reconhecido de imediato, visto seus novos hábitos. Em substituição a velha cidade de Jerusalém, o próprio planeta seria o palco de sua triunfante entrada. Não importando o local escolhido para seu debute, nada de burricos ou quaisquer quadrúpedes pouco imaginativos e estúpidos a trazer o Novo Messias. Em seu lugar um belíssimo, fantástico, indescritível e apoteótico disco voador. Uma nave intergalática, que faria a nave-mãe de Independence Day mais parecer um mero pires. No timão da nave, o supremo Comandante das tropas estrelares da Grande Fraternidade Alva, o popular Chefe Asthar.

"Quanta besteira. Viram o galo cantar, mas não sabem onde". Mais sarcasmos daqueles adeptos. Os mesmos Grandes Adeptos. Solenes, mas tranqüilos, afinal o assunto não passa de um corriqueiro colóquio entre suas fileiras, esses falam que o Novo Filho Único jamais precisaria dispor de dispositivos físicos ultrapassados, como espaçonaves, por exemplo. E mesmo sendo o referido Comandante um sujeito assaz importante entre as hostes interplanetárias, sua função seria bem outra. "Ele está a nosso serviço" - deixa escapar, meio que sem querer, a bhodisatwa - "mas sobre a sua missão, nada nos é permitido falar" - rapidamente ela conserta a gafe.

Tédio dos tédios. O silêncio - herança oriental - antes reservado aos
santos e sábios, que deveria ser peça de ouro, aqui - sina ocidental? - é
reduzido à classe do ouro-dos-tolos.

Mas os primeiros continuam a jubilosa expectativa: A multidão,
reconhecendo-O e ensandecida pela hipótese da Nova Vinda, planeja saudar o Cristo da Nova Era. Agora, entretanto, não haveria mais ramos a ovaciona-Lo, visto os sérios problemas ecológicos implícitos nesse ato.
Contudo, é claro, sua chegada seria acompanhada através da Internet.
Centenas de páginas virtuais, chat-rooms e listas de discussões seriam
criadas com o fito de promover o advento e divulgar a "nova boa-nova".

"Tolices. Tudo isso são meras tolices. Vocês são cegos a guiar cegos".
Agora chega a sisuda reprimenda, a advertência dos Adeptos, cansados do próprio sarcasmo. Novamente, os Grandes Adeptos a falar. Segundo a voz dos membros da franquia local da Enorme Fraternidade Alva, apenas as emanações espirituais do Salvador, ou melhor, do Novo Salvador, chegariam até nós. Porém, segredo dos segredos, apenas eles, os Grandes Adeptos, seriam os veículos para essas emanações, levando à redenção toda e qualquer infeliz e desventurada humana criatura que neles acreditem. Suprema provação de fé.

Mesmo assim, os crentes do segundo advento, sabem que a historia se
repetiria. Para explicar os quase 20 anos-luz de cósmico silêncio crístico,
sustentam que esse foi um período em que o novo mestre instruiu-se com a versão espacial dos Essênios, localizado em algum éter-deserto distante, ponto obviamente secreto, da galáxia. Ah! Quase me esqueço (o que seria deplorável): O Novo Cristo continua sendo rosacruz, embora agora numa versão galáctica.

"Sandices!". Os Grandes Adeptos, mais uma vez não endossariam esse
"disparate". O Novo Cristo, na verdade, teria se instruído com o pessoal do sétuplo raio, sob a direção do camarada São Germano, que, de acordo com esses Grande Adeptos, nunca foi Essênio, ora bolas.

E a querela do quem sabe mais sobre o Novo Cristo continuaria...

Enfim, os adeptos do Novo Advento insistem em dizer que Ele repetirá todos os seus passos e atos, mas agora de acordo com as novas exigências globalizadas. Fico aqui a pensar a respeito de como esses imaginam que deva acontecer as novas curas, o segundo andar sobre as águas, o segundo episódio dos vendilhões, e quem será escolhido para o papel do segundo Judas - agora intergaláctico -, etc.

Enquanto penso isso, é claro, os grandes munes da Enorme Fraternidade Alva, como senhores únicos do assunto, já devem ter levantado a voz para negar toda a bobagem dita por quem nada sabe do assunto...

E os muitos "eu sei que Ele vem" e "eu sei que Ele não vem" tendem a
continuar. Como se já não bastasse toda a divergência, como pano de fundo surge, reclamando aos berros sua origem divina, alguém cuja face é mostrada como, nada mais ou nada menos, o fidedigno "espelho" do santo sudário. "Esqueçam essa história de Cristo vir ou não, pois EU sou o Cristo que todos esperaram por tantos anos. E já estou aqui! Será que é tão difícil assim me reconhecer?" Nosso prodigioso país - pródigo em absurdos - tinha que fazer "nascer" um Cristo brasileiro, lá no sul.

É claro - em tempo a voz de meu ponderado editor me alerta - faz-se
necessária uma ressalva ao juízo menos tolerante. Confesso que nutro o mais absoluto dos sentimentos pela imagem mítica do mártir do cristianismo, causa pela qual, seja de vez dito, esse humilde escrito nasceu em defesa.

Assim, apenas em favor da justificação do mito, não poderia deixar de
relembrar à memória humana certas facetas ainda não tão esquecidas de sua própria história.

Mesmo antes do suposto registro do Seu advento, a história sempre nos
falou de outros deuses, e outros homens-deuses, outros ritos em eras
passadas. Tudo anterior à Crucificação. Sim, eram tempos remotos. As
crenças, embora também outras, pareciam as mesmas. Nessas lendas, muitos personagens e lugares aparecem. E a semelhança que a lenda cristã abriga, quando a elas comparadas, muito sugeriria à mente observadora.

Embora queira evitar penetrar em tais domínios, citar certas lendas
outras - mesmo que de passagem - servirá como referência ao buscador.
Somente ao sincero buscador. Assim, não seria vão relembrar o que nasceu do sincretismo entre o judaísmo ortodoxo e a religião de Mitra, o Mitraísmo, a qual, inclusive, também era praticada em catacumbas e em subterrâneos. Aí encontraremos parte da raiz cristã. Do mesmo modo, esquecer Osíris, a Virgem Ísis e sua criança Hórus, nascida em pleno solstício de inverno, mitos e legendas muito populares na Roma de 2000 anos atrás, seria perder outra preciosa parte da raiz que sustenta o cristianismo.

Outros muitos exemplos de deuses e deusas poderiam vir à compreensão melhor do assunto, mas a prática de citar deuses, mesmo apenas como referência, pode me levar a correr certo risco. Então, antes de ser taxado de idólatra, aconselho a, se for o caso, esquecê-los por completo. Deixemos os deuses de lado e busquemos em Platão, em pseudo Dionísio Aeropagita e em Filón de Alexandria (que, de certa forma bem especial, também são Deuses) a raiz que serviu de sustento aos nossos primeiros padres.

Do mesmo modo, poderia continuar, citando mais um tanto de filósofos,
filosofias e contos, mas é sabido que, a despeito da natureza do enfoque crítico da pesquisa, o suscetível espírito religioso tende a se manter alegre e descontraído, sobremodo quando acometido pelas tão comuns e definitivas certezas tautológicas. É pesaroso constatar, todavia, que a mesma alegria que o caracteriza ante dogmas intocáveis, o acompanha na forma de uma pueril inocência quase total sobre o tema "religião".

Da colagem de muitos mitos, surgiu o mito de nosso Senhor. Porém,
atualmente, sem a devida base histórico-religiosa de tudo que o cercou, que o formou e que hoje o sustenta, sua verdade fica oculta ao místico e ao crente comum. Daí, é fácil ter-se como resultado o extravagante culto a sua personalidade fictícia, ou mesmo a aspiração espacial de sua origem. Da mesma forma, o Seu envolvimento com hostes iniciáticas, Brancas Fraternidades Universais e outras seqüelas de estilo, formam uma fértil área para a divagação do que estaria por vir.

Depois de tudo isso, uma dúvida me espreita: como entender esse amontoado de curiosidades para, por fim, concluir essa crônica?

Primeiro, tentarei resumir o tema e buscar um ponto que se mostre comum às crenças citadas. Depois, a encerrarei como melhor puder.

Vejamos. O Judaísmo tem clara sua posição. Segundo suas doutrinas, eles ainda continuam aguardando a primeira chegada do Messias, visto não reconhecerem o Cristo como tal. Não parece, portanto, ser apropriado, oportuno ou mesmo lógico, segundo seus Tomos Sagrados, especulações acerca do segundo rebento messiânico, visto ainda não ter havido o primeiro. Ou seja, o povo eleito nem se toca para o assunto. E ponto final.

Já os cristãos - em sua grande parte - crêem na Segunda Vinda. Já foi
citado que os sinais de Sua chegada são claros, conforme o Santo Livro. Mas aqui há de se fazer uma observação extra. Os católicos não parecem estar muito ocupados com o tema; alguns neo-pentecostais - esses sim - vão bem além, afirmando que o Cristo já está vivo entre nós.

Um ponto que salta aos olhos é mesmo o alarde do assim chamado
cristianismo da nova era. Segundo esses últimos, as especulações sobre a Segunda Vinda são as mais variadas possíveis, e mesmo contraditórias. Elas partem de uma convicção, quase gnóstica, da negação da figura pessoal do Crucificado à passional idolatria mística de sua sofrida imagem histórica. Bailam desde a quiçá tolerável apologia da psicologia do Cristo interno até a comédia de proporções interestrelares. Tão longa é a linha que separa tais pólos, que qualquer tiro que se dê, qualquer opinião que se emita, aqui encontrará alvo para colidir ou refúgio que a suporte. Paciência.

E o que falar das muitas outras crenças cujos códices desconhecem por
completo a personagem que, segundo o cânone que o criou, padeceu em favor de nossa salvação? Como falar a um Brâmane ou a um Hindu, e ao Chinês, o que dizer à população do Nepal, ou a grande maioria dos Africanos, como incutir na mente muçulmana ou budista essa idéia? Será que esses todos, apenas alguns bilhões de indivíduos, desconhecem por completo que serão salvos pela Segunda vez?

Alguns considerariam a ignorância sobre o tema Jesus algo lastimável, até vil. Esses mesmos também considerariam aqueles gentios como meras figuras de retórica, simples detalhes da Criação, carneiros de presépios, postos em tela tão somente devido a um inexplicável e divinal capricho do Grande Artesão. Os gentios estariam em cena apenas para um jogo de conversão, onde lhes seriam incutidas - à força se necessário - a idéia da nova redenção via novo filho único.

Mas não me parece algo louvável e sadio recriminar quem quer que seja por esse "pecado", por desconhecer o martírio do calvário, muito menos por ter convicções outras, mesmo sendo tais práticas bem mais antigas e embasadas. Infelizmente, essa censura torpe acontece.

Para completar, em meio a todo alvoroço de cunho religioso, a herética
observação da própria história permanece. Os historiadores, tão longe da certeza religiosa quanto longe da científica estão os cenobitas, se mantêm firmes quanto a pura negação da real existência do mártir do cristianismo, mesmo ainda em sua primeira edição.

Mas qual o ponto comum a tudo isso? Primeira confissão: eu, sinceramente, não sei. Posso até supor um, mas - segunda confissão - digo temer o lugar comum. Contudo, sabendo serem os horizontes do assunto deveras limitados, confio na compreensão do sábio leitor e, caso eu enverede pela horrorosa letra vulgar, estendo a mão a sua reprimenda, mas também a estendo ao seu afago ou perdão. Tudo será recebido com alegria.

Falar sobre a Segunda Vinda pode mesmo ser inspirador. Mas assim o será, não por crer piamente na manifestação física de um herói mítico, e nem por - muito menos - pretender penetrar nos detestavelmente prolixos códigos teológicos.

Pensar que um Segundo Cristo, vindo dos céus, novamente nos salvará também pode, mais que inspirador, significar um forte desejo que existe no coração de alguns seres humanos. Deste modo parece caminhar a humanidade. Errando e acertando. E se pensamentos e aspirações, por vezes tolos, outras vezes judiciosos, especulam acerva de tal advento, por certo querem expressar, pelo menos, o ideal da segunda chance.

Qual de nós que, cometendo um erro, não gostaria de uma nova chance para acertar? Qual de nós que, perdendo um amor, não sonha com uma nova chance de amar? Qual de nos que, sentindo a aproximação da morte, pelo menos em uma fração de sonho, não desejou começar tudo novamente, em uma segunda chance de vida?

Em muitos casos, sabendo ser impossível o recomeço, exteriorizamos nosso anseio interno em uma imagem sublime de redenção e salvamento. Isso não é ruim. Nem bom. Apenas segue uma natural via de escape.

Finalmente, aqui encerro minha rápida reflexão sobre a Segunda Vinda.
Posso não ter sido o suficientemente douto, mas devo encerrá-la mesmo
assim. É que o dia já foi vítima do crepúsculo e esse já cedeu seu breve
momento de existência à noite. A nova semana, enfim, começará e a
Segunda-feira logo chegará com os corriqueiros tormentos do dia-a-dia.

E caso realmente eu não tenha sido douto o suficiente, de todo isso não
importará muito. Confio na paciência do amigo leitor para, num dia
qualquer, conceder-me a honra de tentar uma Segunda Divagação, em linhas bem mais amadurecidas que essas, que agora chegam ao fim.